STF mantém base mais ampla da Cide-Royalties e evita perda de R$ 19,6 bilhões para a União
Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela validade da cobrança da
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre remessas
financeiras ao exterior para remuneração de contratos, a chamada Cide-
Royalties. A decisão afasta um risco fiscal estimado em R$ 19,6 bilhões pela
União, conforme indicado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (DO) de 2026.
A decisão se deu por uma maioria apertada, definida no último voto, do
presidente, ministro Luís Roberto Barroso. “Estamos falando da Cide-
Tecnologia. Talvez a área que o país mais precise de investimentos no
momento”, afirmou.
A Cide-Royalties ou Cide-Tecnologia foi instituída há mais de 20 anos, pela Lei
nº 10.168, de 2000. O objetivo seria financiar projetos cooperativos entre
universidades e empresas para o desenvolvimento científico e tecnológico.
No julgamento, os ministros discutiram se a contribuição poderia ser cobrada
sobre qualquer tipo de contrato — como os de serviços técnicosadministrativos
— ou apenas sobre os que envolvem uso ou transferência de
tecnologia estrangeira. Por ano, a perda na arrecadação seria de R$ 4 bilhões,
segundo a Fazenda Nacional.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) explicou, no julgamento,
que essa cobrança tem um objetivo parafiscal, que é estimular o consumo da
tecnologia nacional e desestimular a sua importação. E afirmou que os valores
são integralmente destinados à ciência e tecnologia (RE 928943).
As empresas pediram, no STF, que a Cide, se fosse declarada constitucional, só
fosse cobrada sobre contratos em que há efetivo fornecimento de tecnologia.
Atualmente, a Receita Federal tributa também remessas para pagamentos
relativos a diversos tipos de contrato, como de advocacia e assistência
administrativa para registro de patente no exterior e a contratação de mecânico
para reparo de aeronave.
Para o relator, ministro Luiz Fux, a Cide-Royalties só poderia incidir sobre
contratos com exploração de tecnologia, ou seja, os contribuintes deveriam ser
os destinatários. O voto restringia a base de incidência da contribuição. Ele foi
seguido pelos ministros André Mendonça, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. O
ministro Nunes Marques, votou com uma limitação próxima ao voto do relator.
Mas prevaleceu o voto divergente do ministro Flávio Dino. Para ele, a base de
tributação poderia ser mais ampla. Ele reconheceu a integral constitucionalidade
da Cide, desde que o destino dos valores seja a área de atuação de ciência e
tecnologia. O voto foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin,
Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Na sessão, o ministro Gilmar Mendes destacou que é fundamental que não
exista o possível desvio e não destinação do produto arrecadado. “A razão tem
que ser fortalecer a atividade-fim”, disse. Segundo o decano, tendo em vista os
tempos atuais, não ter o desenvolvimento tecnológico adequado deixa o risco
de se sofrer agressões e “até extorsão, chantagem”.
Flávio Dino afirmou que é importante fazer essa destinação, mas não se pode
reduzir a tributação porque, quando a lei foi feita, houve uma redução na
alíquota de Imposto de Renda de 10%, buscando amarrar o destino da Cide-
Royalties à ciência e tecnologia. “A divergência com a retirada de alguns itens
da base representa cerca de 60% do fundo [ o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico]”, acrescentou.
Já o ministro Barroso afirmou que a exclusão de direitos autorais da cobrança
deixaria uma cláusula aberta e todas as empresas iriam procurar enquadrar
remessas como remuneração de direitos autorais. Ainda segundo ele, a lei não
teve a intenção de fazer essa exclusão.
Para o advogado que representa a fabricante de caminhões e ônibus Scania, que
era a empresa que recorria no caso julgado, Daniel Corrêa Szelbracikowski, o
entendimento adotado transforma a Cide em imposto com receita vinculada, o
que “corrói a distinção entre as espécies tributárias existentes no sistema
tributário nacional”.
O advogado André Torres, sócio do Pinheiro Neto Advogados considera que
parte dos debates se desviou do cerne da questão, que era definir a base de
incidência da Cide. Isso porque, diz ele, os ministros se debruçaram muito sobre
a definição de contribuinte, e não sobre a definição da base de incidência.
Assim, teriam se apegado à questão da existência ou não de vinculação entre o
contribuinte e o benefício decorrente da aplicação dos recursos arrecadados.
Para Torres, a decisão do STF abre um precedente perigoso de se autorizar ao
legislador a criação de contribuições cada vez mais amplas. “Tão amplas e
genéricas que poderão incidir sobre tudo. Tornando difícil diferenciar Cide de
imposto.”
A decisão “marca um ponto de virada silencioso no sistema tributário
brasileiro”, de acordo com Gabriel Bonilho, tributarista do Cascione
Advogados. Segundo ele, ao ampliar a base de incidência sem exigir relação
direta entre quem paga e quem se beneficia, consolida-se um precedente que
pode inspirar outras contribuições setoriais.
Ao mesmo tempo, afirma Bonilho, os ministros do Supremo reforçaram a
importância de se destinar a arrecadação à ciência e tecnologia, o que pode
transformar um tributo contestado em “motor de inovação”.